Os 60 anos do título mineiro do Siderúrgica: ‘Vou treinar vocês para serem campeões’
Siderúrgica bateu de frente com Cruzeiro, Atlético e América até a década de 1960; personagens relembram ensinamentos de Yustrich

O dia 13 de dezembro de 1964 é uma data histórica para os amantes do futebol mineiro. Há exatos 60 anos, o Siderúrgica de Sabará conquistava o Campeonato Mineiro pela segunda vez (o primeiro foi em 1937) com vitória maiúscula sobre o América, por 3 a 1, em pleno Estádio Otacílio Negrão de Lima, conhecido como “Alameda”.
Volta olímpica do Siderúrgica no Estádio da Alameda, em BH. (foto: Arquivo Estado de Minas - 13/12/1964)
Jogadores do Siderúrgica são recepcionados pela população de Sabará (Arquivo/ Estado de Minas)
Do time campeão, três jogadores ainda estão vivos: o goleiro Djair, o volante Édson “Dedão” e o armador Guará.
Djair, o goleiro do Siderúrgica, ainda vive em Sabará, sua terra natal. Tem 86 anos e todos os dias se levanta lembrando dos tempos de glória e dos momentos que antecederam o título. “Eu tenho dois aniversários por ano, em datas muito próximas. A primeira, em 20 de novembro, quando nasci. A segunda, no dia da nossa conquista”.
Djair, ex-goleiro do Siderúrgica, dentro de seu Fusca (Leandro/Couri /EM/D.A. Press)
Relembrando o passado, um nome não sai da mente de Djair: o técnico Yustrich. Para ele, o principal responsável pela conquista. “Ele chegou em 1963, e mudou tudo. Trouxe uma nova filosofia e soube, principalmente, nos valorizar, assim como a cidade de Sabará”.
Yustrich, técnico campeão mineiro de 1964 pelo Siderúrgica (Arquivo/Estado de Minas)
‘VOU TREINAR VOCÊS PARA SEREM CAMPEÕES’
Segundo o ex-goleiro Djair, a frase “esse ano vou treinar vocês para serem campeões” é inesquecível. Ele lembra que o treinador chegou no ano anterior à conquista e foi aí que as mudanças começaram a acontecer.
“Naquele primeiro ano, ele começou a nos preparar. Mas foi em 1964 que houve as mudanças. Primeiro, ele não queria mais que ninguém trabalhasse e jogasse. Todos nós éramos funcionários da Belgo-Mineira. Ele acabou com isso. Fez um acordo com a companhia, que continuou a nos pagar. Mas a gente só treinava e jogava. Isso foi fundamental”, Djair, goleiro do Siderúrgica em 1964.
Djair lembra que eram três goleiros: ele – o mais baixinho (1,68m) -, Dila e Nonó. E sabia que a briga para ser titular seria difícil, porque quase não jogava antes da chegada de Yustrich. “Ele nos treinava em separado. Travas nos três da mesma maneira, como se todos fossem titulares.” Um quarto goleiro, Bajoso, foi dispensado e se transferiu para o Villa Nova.
Yustrich escolheu Djair para ser o titular. O motivo? Ser um jogador que praticamente não se contundia. “Eu não machucava nunca. Já meus companheiros, sim”.
TÉCNICO ESTUDIOSO
Uma das maiores virtudes de Yustrich, segundo Djair, era o fato de estudar o adversário. “Ele observava o modo de jogar do adversário, no primeiro tempo. No segundo, mudava tudo. Era outro jogo. No vestiário, Yustrich mudava a maneira do nosso time jogar. Era infalível”.
Entre as inovações implantadas por Yustrich estava a maneira do ponta-esquerda Tião cruzar. “Era chamado de cavadinha, quando levantava a bola, batendo por baixo dela, como se estivesse escavando o chão”.
O ex-goleiro lembra que no jogo contra o Cruzeiro, no qual o Siderúrgica foi derrotado por 1 a 0, Tião foi marcado duramente pelo lateral-direito Pedro Paulo. “Foi a nossa única derrota. Mas tenho certeza, que o gol, do Tostão, foi em impedimento”.
Yustrich tinha uma atenção especial com a arbitragem. “Ele conversava com os juízes. Os tratava com respeito. A gente nunca soube o que conversava, mas com certeza, era pedindo para que apitasse o melhor possível. Os árbitros, daqui, tinham fama de serem atleticanos. Não vou falar nomes, mas eram”, relata Djair.
Apelidado de “Dedão” por chutar de bico para afastar as bolas de dentro da área, Édson diz que Yustrich mudou a maneira de jogar do time e uniu o elenco. “Nos tornamos todos amigos e isso foi determinante para conseguirmos conquistar o título”.
Djair conta que o título foi determinante para realizar um sonho: comprar um Fusca. “Eu paguei R$ 6 mil nele e já enjeitei R$ 90 mil.” Todas as manhãs, ele acorda, toma café e vai para dentro do carro, que é sua paixão.
CHARANGA
O Siderúrgica não era apenas um time dentro de campo. Fora dele, também se jogava. É o que conta Raimundo Arnaldo Duarte, de 84 anos, chefe da charanga naquela época. Ele trabalhava na Belgo-Mineira. “Nossos colegas de trabalho eram jogadores. A gente tinha muito orgulho de todos eles”.
Para os jogadores, segundo Raimundo, a charanga era parte do time. “Eles ficavam ansiosos, perguntando se estaríamos nos jogos, em todos. E estávamos lá, para apoiar”.
Raimundo Duarte, de 84 anos, líder da charanga do Siderúrgica (Leandro Couri/EM/D.A. Press)
Ele conta que, num amistoso contra o Vasco, um dirigente da equipe carioca o procurou e pediu para que também aplaudissem quando o time entrasse em campo. “Fizemos o que pediu, mas só para entrar em campo. Depois, foi só Siderúrgica”.
Raimundo costuma dizer que o Siderúrgica foi campeão “no ritmo do samba”. Nos jogos fora de Sabará, a Belgo-Mineira cedia um caminhão para levá-los às partidas. “Uma vez, o caminhão estava estragado e tivemos de arrumar uma caminhonete, que teve de fazer 10 viagens de ida e 10 de volta para levar e trazer todo mundo”.
Muitas vezes, em 1964, houve momentos difíceis. A charanga, por exemplo, chegou a ser impedida de entrar no campo do Renascença.
“Eles estavam na lanterna e acreditavam que a força do Siderúrgica vinha da charanga. Então, acertaram com a Polícia Militar, para não deixar a gente entrar. Um comandante disse que nossos instrumentos eram armas. Então, eu me comprometi a assinar um documento, me responsabilizando por qualquer problema que acontecesse. Entramos. Lá dentro, na arquibancada, disse aos integrantes, que se houvesse problema, todos jogassem, imediatamente, os instrumentos por cima do muro. Mas não aconteceu nada. Ganhamos o jogo e estávamos indo para o título”, Raimundo Arnaldo Duarte.
Bloco carnavalesco Intendentes do Samba apoiou o Siderúrgica (registro feito por Leandro Couri em foto de arquivo Raimundo Arnaldo Duarte)
Havia, no entanto, um segredo na charanga. Um dos instrumentos era usado para transportar o que ele chama de alegria da turma. “Era uma caixa, de madeira, feito por nós, com uma mola de carro. Era o reco-reco. Só, que lá dentro, a gente levava uma garrafa de cachaça”, conta Raimundo.
E os instrumentos eram confeccionados pelos próprios membros da charanga. “A gente vinha a Belo Horizonte, comprava o couro e os fazia, em oficinas nossas. Fizemos até um atabaque. Foi por causa dele que cismaram, no jogo contra o Renascença, que estávamos armados”.
A COMEMORAÇÃO
Confirmado o título, na vitória sobre o América, por 3 a 1, era hora de voltar para Sabará e comemorar. A torcida e a cidade estavam esperando. Parte dos jogadores retornou na jardineira que os levava para os jogos, onde também estava Yustrich.
O JOGO DO TÍTULO
América 1 x 3 Siderúrgica
América: David; Luisinho (Robson), Klebis, Zé Horta e Catocha; Zé Emílio e Nei; Geraldo, Jair Bala, Dario e Sérgio. Técnico: Moacir Rodrigues.
Siderúrgica: Djair; Geraldinho, Chiquito, Zé Luis e Dawson; Edson e Paulista; Ernani, Silvestre, Noventa (Aldeir) e Tião. Técnico: Yustrich.
Gols: Ernani (21′), Noventa (24′), Aldeir (44′) e Jair Bala (78′)
Motivo: Campeonato Mineiro de 1964.
Data: 13 de dezembro de 1964.
Estádio: Otacílio Negrão de Lima (Alameda)
Público: 8.970 pagantes
Renda: Cr$ 4.245.250,00.
Árbitro: Doraci Jerônimo, MG.
Por Ivan Drummond- reportagem do No Ataque/Estado de Minas
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